Publicado em 1993 pelo IEL, Olhos de guia, de Fernando Neubarth, mereceu, no ano seguinte, os prêmios Henrique Bertaso de melhor livro de contos e Açorianos nas categorias conto e autor revelação. Aqui, trechos do prefácio em que Antonio Hohlfeldt demonstrava seu entusiasmo com o talento que surgia.
Livro de estreante, quando chega às mãos do leitor, é sempre uma alegria. Mais um para a confraria. E quando esse estreante, desde logo, demonstra mais do que boa tendência, um domínio franco e tranquilo de alguns dos principais segredos da arte de escrever um conto, bem, então, a alegria é ainda maior.
Independentemente de sua organização interna, pode-se verificar a existência clara de dois tipos de narrativa. Num deles, prepondera a história realista, sensível, buscando flagrar situações mais ou menos cotidianas e comuns, mas que sempre podem ser enfocadas sob um novo ângulo por quem souber ver. E Fernando tanto sabe ver quanto transformar sua visão em um texto literário. Como em Sombras no corredor, por exemplo.
No outro, textos que se filiam mais claramente à tradição do realismo fantástico. Consequentemente, mais do que no primeiro conjunto, a finalização do texto é o toque fundamental para a afirmação da obra. E também aqui Fernando se sai bem. Como em Os ursos da rua Mostardeiro, por exemplo.
Nos dois conjuntos, contudo, avulta outra qualidade que pesa favoravelmente ao contista: sua humanidade. (...) Mas sobretudo avulta a capacidade de Fernando Neubarth em sugerir, mais do que dizer explicitamente. E isso é qualidade de bom escritor. Dos melhores. Portanto, neste sentido, o estreante promete. Leia-se as finalizações de De como um festejado familiar tornou-se Bobo de Pitangas, cavalheiro de triste figura, ou A filha de Karl Linde, Sombras no corredor, etc. A famosa “chave de ouro” de Maupassant não é desconhecida para o estreante.
De tudo o que gostei na primeira leitura e na releitura dos contos de Fernando Neubarth, contudo, além da boa qualidade dos títulos das peças, é o clima que o escritor consegue criar. Por isso mesmo, Olhos de guia deveria dar título ao volume. É, neste sentido, o melhor texto do livro (mesmo que, em questão de gosto, tudo seja relativo). Gosto da sutileza um pouco irônica de A arte de fazer sabão. Admiro a emotividade contida e crítica de A vereda dos justos. Emociono-me com a poética tristeza de Histórias para boi dormir. Divirto-me com o cinismo de Saudações eclesiásticas. Mas, de tudo, o que mais me envolve, o que mais me seduz, o que mais me decide em dizer que Fernando Neubarth é, realmente, uma revelação de escritor, é este seu Olhos de guia: tirar do tema histórico a emoção da individualidade é sempre uma façanha. Que ele realiza com absoluta tranquilidade, verossimilhança e eficiência.
Eis, pois, com o leitor, não apenas um novo livro de contos (o que, nos tempos atuais, já seria uma alegria. Dizem que o conto anda em baixa nas editoras comerciais...) Mas um novo livro de contos de um novo contista. Leia-o, conheça-o, e depois parabenize-se. Eis um novo escritor.
Antonio Hohlfeldt
Linha Pirajá, abril de 1993