15.3.11

SCLIAR E OS 50 ANOS DA CAMPANHA DA LEGALIDADE


Capa do livro "Nós e a Legalidade"



    No marco de 50 anos da Campanha da Legalidade, resgatamos aqui o testemunho do escritor Moacyr Scliar sobre aquele movimento de 1961. O relato completo está incluído no livro Nós e a Legalidade, editado pelo IEL.

   
   Em 2011, comemoram-se 50 anos da Campanha da Legalidade. Em 1961, após a renúncia de Jânio, os ministros militares e seus aliados civis tentam barrar a posse do vice-presidente João Goulart. Em resposta, organiza-se a resistência, liderada pelo então governador Leonel Brizola, que mobiliza a sociedade gaúcha na chamada “Rede da Legalidade”. Surge a ameaça de bombardeio a Porto Alegre; o estado e o país vivem dias sob o espectro da guerra civil. Finalmente, um acordo: Jango é empossado presidente, mas com poderes reduzidos sob um regime parlamentarista, implantado às pressas. Porém, tendo recuperado a função de chefe de governo com a volta do presidencialismo (1963), ele é deposto no ano seguinte pelo golpe militar.

    Aquele episódio tumultuoso no ano de 1961 marcaria toda uma geração de escritores gaúchos que presenciaram ou tomaram parte ativa na mobilização. Anos mais tarde, Moacyr Scliar, estudante de medicina em 1961, retrataria a Campanha da Legalidade em seu romance “Mês de Cães Danados” de 1977. De Scliar, temos também o seguinte relato, incluído no livro “Nós e a Legalidade” (1991), uma co-edição do IEL e da Editora AGE:
    “A renúncia de Jânio causou, sobretudo, perplexidade. Mas a recusa dos ministros militares em aceitar João Goulart como Presidente gerou revolta. Era um ato claramente, escarradamente, ilegal, e antidemocrático; e era um ato que mexia com os brios do Rio Grande – o mesmo Rio Grande de onde haviam saído os gaúchos que, em 1930, amarraram os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.
    Ao chamado de Brizola, o Rio Grande do Sul se pôs, como se dizia então, ‘de pé pela Legalidade’.
(...)
   Eu era estudante de Medicina e foi como universitário que vivi a Legalidade. Nosso quartel-general era o antigo Restaurante Universitário, na Avenida João Pessoa (...). Em nossas reuniões não tínhamos dúvida de que a coisa evoluiria para um conflito armado.
(...)
   Nos dias de maior tensão – os que antecederam o pronunciamento do Comandante do III Éxército, Machado Lopes, aderindo ao Movimento da Legalidade – íamos diariamente ao Palácio, subindo a Lomba do Sétimo. Brizola aparecia à janela para nos saudar; e aos nossos pedidos – armas para o povo, Governador! – respondia com um sorriso. Sabia com quem estava lidando.
(...)
   O movimento se propagava. Batalhões de operários da Carris desfilavam pelas ruas, voluntários se alistavam, a cadeia de emissoras que formavam a Rede da Legalidade estava constantemente no ar, irradiando o famoso Hino que tinha letras de Lara de Lemos – e outros estados começavam a aderir. O espectro de uma guerra civil deve ter aparecido bem visível aos ministros, que optaram por negociar. Jango assumiria, sim, mas com um regime parlamentarista. Não era bem o que as pessoas, e sobretudo os estudantes, queriam. Mas a alternativa, acho, poderia ter sido terrível.”