O dramaturgo. Arte: Liana Timm |
Talvez o modo de melhor sintetizar a vida e a obra de Carlos Carvalho seja a sua afirmação de que não cabe à Literatura apontar soluções. No seu entendimento, a grande contribuição que ela faculta é a denúncia de toda uma problemática destruidora do ser humano, acrescentando que é, com esse homem, em nível social, mesmo invariavelmente exposto como figura individual, que a arte tem compromisso.
A prática artística desse intelectual gaúcho nascido em Porto Alegre, em 1939, e precocemente falecido em 1985, é justamente o acordo que assume consigo mesmo como escritor, músico, professor e dramaturgo. Sua intensa e produtiva atividade cultural fez com que, atento às questões da sociedade de seu tempo, construísse uma obra na qual os conflitos de natureza social ocupam lugar proeminente, particularmente em relação à violência institucionalizada.
No ano de 1961, abandona os estudos de piano e ingressa, em 1965, no quadro de funcionários da Assembleia Legislativa. Em 1968, desiste do curso de Jornalismo e inicia o curso de Direção Teatral do Departamento de Arte Dramática da UFRGS, participando, como ator, de um primeiro espetáculo teatral: Homem: variações sobre o mesmo tema, escrito e dirigido por Luiz Arthur Nunes. Estreia, como diretor de teatro, em 1970, com Fim de partida, de Samuel Beckett; nesse mesmo ano, inicia sua carreira de dramaturgo com Colombo, fecha as portas dos teus mares.
É ainda, no ano de 1970, que Carlos Carvalho inicia sua atividade como contista, participando da antologia Roda de fogo, publicada pela editora Movimento; mais tarde, em 1975, publica o livro de contos Calendário do medo, cujas histórias, embora se inscrevam, segundo Gilda Neves da Silva Bittencourt, “numa vertente existencial-intimista, não podem ser desvinculadas do contexto social que as motivou”. Em 1975, participa da antologia Os melhores contos brasileiros de 1974, da editora Globo. O livro de contos Linha de tiro, de 1982, é publicado pela editora Movimento.
A obra de Carlos Carvalho assenta-se na dramaturgia e na ficção, procedimentos estéticos que, rigorosamente, estabelecem uma sintonia pela ação dramática, já que por ambas perpassa uma preocupação com a representação dos conflitos humanos. Antônio Hohlfeldt, avaliando a importância da ficção de Carlos Carvalho, representada pelos livros de contos Calendário do medo e Linha de tiro, diz que essas duas publicações se complementam e, nelas, a ideia de família, como núcleo mínimo da expressão social, funciona como “entidade de comunicação com o mundo, mas, ao mesmo tempo, como espécie de alavanca que traz, para dentro, para mais próximo, o elemento de violência caracterizador do universo”.
É a dramaturgia, no entanto, que apresenta de forma mais significativa a visão de mundo de Carlos Carvalho. Escreveu Boneca Teresa, em 1975; PT saudações, em 1976; Pequena história do homem, em 1978; O pulo do gato, em 1979. Seguem-se a essas peças História da cobra grande em 1980; Esta é a sua vida em 1981; Doce vampiro, Que passa, Che? e Berço esplêndido, todas em 1982; Escravos de Jô em 1983; Champagne para Mãe Tuda em 1984.
De acordo com Luiz Paulo Vasconcelos, a narrativa dramática, em Carlos Carvalho, “é o resultado de um longo aprendizado”. Entre Boneca Teresa, encenada em 1975, e O pulo do gato, em 1985, “foram dez anos de experimentação com os elementos que constituem a química básica do teatro: a situação dramática e a caracterização dos personagens”.
Aberto a inovações, segundo ainda o crítico referido, Carlos Carvalho deixou-se influenciar pelo realismo, uma constante do teatro do século XX; pelo absurdo beckettiano, que “desorienta as certezas da realidade aparente, dando forma concreta e, evidentemente, simbólica, a conceitos abstratos”.
Talvez, da sua condição de ficcionista, venha a preocupação de Carlos Carvalho com a linguagem. Assim como a condição dramática aproxima o teatro e a narrativa literária, a palavra vai ser o instrumento primordial para caracterizar as circunstâncias comoventes de suas peças. Conforme Luiz Paulo Vasconcelos, “no drama, soube ele como poucos construir atmosferas, solucionar crises, definir situações, ilustrar emoções e sentimentos, com aquela economia própria de quem domina o meio, de quem sabe que, no teatro, a palavra, para existir, tem que sair em forma de som da boca do ator”.
A obra de Carlos Carvalho, que o Instituto Estadual do Livro publica, talvez seja a representação mais cabal de uma arte que associa uma forma de ver o mundo e uma pragmática poética. E essa circunstância é exemplarmente definida pela sensibilidade de Luiz Paulo Vasconcelos, enfatizando que “Carlos Carvalho procurou fazer no teatro (e na literatura, acrescente-se) uma extensão, digamos assim, de tudo aquilo que fez na vida: política como meta, poesia como forma, solidão como essência e humor como solução”.