8.8.13

Trecho de "O amante alemão", de Lélia Almeida

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"As pessoas vinham cumprimentar Dona Moissi em diferentes horários do dia, os que vinham de longe, da Linha Formosa, Balsanova ou Lindoeste, vinham cedo para poder voltar cedo também, e quem morava mais perto do centro da cidade podia vir para o chá da tarde.
Os preparativos para o aniversário começavam alguns dias antes, com a preparação das frutas para as cucas que eram feitas com receitas antigas e secretas e que, um dia antes, estavam prontas, estendidas numa bancada enorme no jardim à espera que os convivas as devorassem.
Foram as cucas mais deliciosas que Duzília Flores comeu na cidade, e anos de convivência não foram suficientes para que ela convencesse Dona Moissi a lhe dar as receitas, ela enrolava, dizia que amanhã, que não sei quando e Duzília Flores nunca pôde colocar as mãos naquele segredo que eram as delícias que Dona Moissi fazia.
A casa era limpa para a festa de aniversário, com pompa e circunstância, os pesados colchões de mola das enormes camas eram vistos cedo no jardim para tomar sol. Os edredons e travesseiros de pena de ganso, tudo da casa era posto no jardim e Dona Moissi fazia a sua grande faxina anual, munida de baldes velhos de alumínio, vassouras de palha e escovões.
A casa, mesmo velha e precisando de muitas reformas, ficava um brinco, ela então queimava alfazema e fazia suas abluções aos aos espíritos domésticos para receber as suas amigas. Era uma farra. Era uma farra aquela quantidade de cucas de frutas, de uva, laranja, coco, mamão, de açúcar, e aquelas mulheres, como gralhas, ao redor dela e da comilança. E tomavam chá de casca de laranja em xícaras e bules que eram peças soltas, de vários tamanhos, cores e desenhos, remanescentes de muitos aparelhos que já não existiam mais. Cada peça daquelas lembrava épocas diferentes e passadas, eram, na verdade, sobras das várias vidas, umas fartas, outras precárias, que Dona Moissi tivera com seus diferentes maridos. "


Do romance O amante alemão (IEL/Corag, 2013)