3.2.12

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Carlos Carvalho

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Manoel Porto, brasileiro, casado, pai de cinco filhos, morador à Rua Dona Constantina nº 79, escriturário de profissão, mais por necessidade do que por vocação, desapareceu há alguns anos atrás, logo após o nascimento do último filho. Manoel era alto, moreno, olhos castanhos, bigode miúdo e bem aparado, com marca de queimadura na mão esquerda, pouco acima do polegar, por acidente sofrido na infância. Homem de hábitos simples, não bebia, não fumava, não jogava. Bom pai e bom marido, nada havia que pudesse vir em desabono de sua pessoa, ficando desde logo afastada a suspeita de que tivesse fugido com alguma amante, pois que amante nunca existiu, nem que tivesse se metido com pessoa de má índole que o desviasse do caminho do escritório ou da casa, arrastando-o para outros rumos que não os do direito e da dignidade.


Puxava um pouco da perna direita, o que o salvou do serviço militar, sendo, por isso, reservista de terceira. De gênio alegre, mas tímido, amava as coisas comuns. Tinha um jeito de sorrir franzindo a testa, devido ao hábito de apertar os olhos proveniente da miopia progressiva, motivo por que também usava óculos de aros de metal. Gostava de andar a pé e, sempre que possível, dava longos passeios, principalmente ao entardecer. Criava canários, dos quais tinha três casais, e um cachorrinho fox que foi obrigado a dar a um casal de amigos por insistência da mulher, que não gostava de bichos. Adorava música e seu maior desejo era estudar saxofone, o que não conseguiu por ter de, cedo ainda, lutar pela vida. Sabe-se que gostaria de abandonar tudo e partir sem rumo, o que confessou certa vez a um colega de escritório. Mas sabe-se, também, que tal nunca faria, já que era homem digno e cumpridor dos seus deveres. Pai amoroso, gostava de levar os filhos a passear no parque, mas também esse hábito abandonou, uma vez que não lhe sobrava tempo na lida de conseguir sustento para a família que aumentava. Não era homem de queixas, ainda que algumas vezes, não se sabe bem por que, tenha se lastimado com o referido colega de escritório sobre as agruras da vida. De temperamento calmo, jamais teve briga, no lar ou fora dele, em que levantasse a voz, embora nos últimos tempos tivesse consultado um médico por motivo de certa angústica inexplicada que o atacava de vez em quando, impedindo-o de comer direito e obrigando-o a passar as noites em claro, debruçado à janela. Com tais indicações, pede-se a quem dele souber, do seu jeito de sorrir franzindo a testa, do seu saxofone esquecido, do seu amor pelos canários, de sua tristeza pela perda do cãozinho fox, dos seus longos passeios ao entardecer, que dêem notícia ao próprio, Manoel Porto, que reside com mulher e cinco filhos à Rua Dona Constantina nº 79 e que, por se ter perdido há algum tempo, se encontra desesperado, sem comer ou dormir direito, pensando mesmo em abandonar mulher e filhos e partir sem rumo, conforme confessou um dia, não se sabe bem por que, a um colega de escritório.

Do livro Poesia e Prosa - Carlos Carvalho (IEL/Movimento/Edipucrs, 1994).
Conto publicado originalmente em Calendário do medo (1975).

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