Levitan também assina a capa e as ilustrações |
Ao lado da cama de Nei uma mala velha e cheia de poesias. Abriu-se. Ali ele guardava os sonhos que passávamos, o despertar futuro e os pesadelos que nos perseguem.
Era 72. Um ano migratório, muitos indo para o norte: o Carnaval da Bahia. Era a luz, uma fresta, por ela passava um ar de liberdade. Muitos acreditando na era de Aquarius (o sonho). Discutíamos tudo, o real e o irreal. As contradições e a síntese. A era de Peixes findava (?).
Minha meta era Salvador, o Carnaval também. Mas desviei para visitar amigos em Blumenau (SC). No meio daquela festa eles trabalhavam fazendo um bom jornal às margens do Itajaí. Um vale com bananeira, mato e malocas, com árvores e casas europeias. Uma cidade estranha: às vezes num passado sombrio e temeroso, às vezes pacata e bonita. Um pedaço.
Posei na casa de Nei e Virson. À primeira vista uma casa grande e vazia. Nada de móveis: uma ladeira, escada, jardins, duas camas, seis quartos e muito chão. Ao lado da cama de Nei uma mala velha e cheia de poesias. Uma surpresa.
Em meio àquele calor e à perspectiva de viagem, aquela mala me prendia pela curiosidade. Abriu-se. Ali ele guardava os sonhos que passávamos, o despertar futuro e os pesadelos que nos perseguem. A calma da lucidez, para que nada se perca, que o sangue corra sempre por dentro dos corpos. A cor dos campos perdidos desse povo peregrino. O norte e o sul nos corações. Lemos tudo isso naquele ar de Europa cansada e de América selvagem.
Cláudio Levitan na mesma época em Ipanema, Porto Alegre, pela lente de sua mulher, Eneida Serrano. |
Três anos se passaram. “O sonho acabou e foi pesado o sono para quem não sonhou”. O dia porém sempre desperta em algum outubro na primavera.
É verão de 75. Nos reunimos agora em Ipanema, às margens do Guaíba, com Juarez Fonseca e Caio de Abreu e voltamos a abrir a mala. Desta vez com mais cuidado para que os poemas, um a um, fossem dando forma ao livro. E está aí (um dos livros daquela mala que guardava segredos): a força luminosa da vida, as paixões de uma geração, a ilusão de um povo, o sol. E um poeta vivo.
CLÁUDIO LEVITAN
Texto da orelha de Outubro (1975)
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por Nei Duclós, especial para o blog do IEL