3.3.11

Levitan abre a mala de poemas de Nei Duclós

Levitan também assina
a capa e as ilustrações
Anos 70. Poemas reunidos em uma velha mala em Blumenau. Um encontro entre Nei Duclós, Cláudio Levitan, Juarez Fonseca e Caio Fernando Abreu à beira do Guaíba, em Ipanema. E nasce Outubro, de Duclós. Os detalhes dessa história podem ser lidos aqui, no texto que Levitan fez para a orelha do livro, editado pelo IEL em 1975.

       Ao lado da cama de Nei uma mala velha e cheia de poesias. Abriu-se. Ali ele guardava os sonhos que passávamos, o despertar futuro e os pesadelos que nos perseguem.



Nei Duclós em Ipanema (1975)
Foto de Eneida Serrano

        Era 72. Um ano migratório, muitos indo para o norte: o Carnaval da Bahia. Era a luz, uma fresta, por ela passava um ar de liberdade. Muitos acreditando na era de Aquarius (o sonho). Discutíamos tudo, o real e o irreal. As contradições e a síntese. A era de Peixes findava (?).

        Minha meta era Salvador, o Carnaval também. Mas desviei para visitar amigos em Blumenau (SC). No meio daquela festa eles trabalhavam fazendo um bom jornal às margens do Itajaí. Um vale com bananeira, mato e malocas, com árvores e casas europeias. Uma cidade estranha: às vezes num passado sombrio e temeroso, às vezes pacata e bonita. Um pedaço.

        Posei na casa de Nei e Virson. À primeira vista uma casa grande e vazia. Nada de móveis: uma ladeira, escada, jardins, duas camas, seis quartos e muito chão. Ao lado da cama de Nei uma mala velha e cheia de poesias. Uma surpresa. 

        Em meio àquele calor e à perspectiva de viagem, aquela mala me prendia pela curiosidade. Abriu-se. Ali ele guardava os sonhos que passávamos, o despertar futuro e os pesadelos que nos perseguem. A calma da lucidez, para que nada se perca, que o sangue corra sempre por dentro dos corpos. A cor dos campos perdidos desse povo peregrino. O norte e o sul nos corações. Lemos tudo isso naquele ar de Europa cansada e de América selvagem.

Cláudio Levitan na mesma época em Ipanema, Porto Alegre,
pela lente de sua mulher, Eneida Serrano.
        Dez dias depois nos despedimos combinados: tens que abrir esta mala (este livro deve sair).

        Três anos se passaram. “O sonho acabou e foi pesado o sono para quem não sonhou”. O dia porém sempre desperta em algum outubro na primavera.

        É verão de 75. Nos reunimos agora em Ipanema, às margens do Guaíba, com Juarez Fonseca e Caio de Abreu e voltamos a abrir a mala. Desta vez com mais cuidado para que os poemas, um a um, fossem dando forma ao livro. E está aí (um dos livros daquela mala que guardava segredos): a força luminosa da vida, as paixões de uma geração, a ilusão de um povo, o sol. E um poeta vivo.
       

CLÁUDIO LEVITAN
Texto da orelha de Outubro (1975)


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por Nei Duclós, especial para o blog do IEL