3.3.11

A MALA QUE GUARDAVA SEGREDOS

Nei Duclós
A convite do blog do IEL, o poeta Nei Duclós nos envia um texto no qual fala sobre o nascimento do seu livro Outubro, lançado em 1975, e comenta as participações de Cláudio Levitan, Juarez Fonseca, Caio Fernando Abreu e de sua mulher, Ida Duclós, na seleção dos poemas.


        Outubro, meu livro de estreia, reúne poemas escritos no final dos anos 60 e início dos 70. Cláudio Levitan não só ilustrou maravilhosamente o livro, imprimindo a marca de seu talento luminoso, como participou da edição desde o seu início, pois foi ele quem me visitou em Blumenau um belo dia para conhecer os poemas. E dessa visita, relatada na orelha, nasceu a luz da nossa geração. Um livro cult, jamais reeditado, que nunca ganhou qualquer prêmio, mas que não é encontrado em lugar nenhum, a não ser bem guardado nas estantes de seus poucos e fiéis leitores. Quem tem não empresta, porque não volta. Qual o mistério de Outubro?





        
A capa é assinada
por Cláudio Levitan
Revisito a magia do livro. Os poemas que saltam na cara, a capa maravilhosa de Cláudio Levitan, letras pretas sobre fundo amarelo para o título e laranja para a paisagem que está estampada nela. Que é o pampa estilizado, com uma cerca que vai para o infinito, embaixo de gigantesco sol que mais parece um ovo frito. Em diagonal a esse sol um pássaro em voo decidido. Um primor de capa clean, vibrante, fundada nos princípios eternos da grafia e ao mesmo tempo totalmente de vanguarda, pois aquele não é um sol, aquele chão não é um pampa e aquela cerca são traços que nos carregam para o futuro. A cerca e o pássaro voam em direção ao sol, que tem as bordas roçando o chão. Só essa capa merecia ganhar um prêmio internacional.
Arte da contra-capa,
também de Levitan


         A contracapa é outra obra-prima. Aquele sol, desapropriado de sua luz e calor, cai sobre o chão numa cena noturna. Da casca desse objeto que cai, dessa lua que se parte ao meio, sai uma infinidade de estrelas em direção ao céu. Cena que, ao contrário da capa, não toma conta de todo o espaço disponível. Está enquadrado, num fundo branco. Essa é a viagem visual idealizada pelo nosso genial artista: o sol que se anuncia em outubro parte-se (ceguei-me em sangue de estrelas, diz um dos poemas) num parto de revelações e deslumbramentos.

         A edição do livro contou ainda com a participação fundamental de Juarez Fonseca (que também fez primorosa diagramação), Ida Duclós (minha mulher e mais atenta leitora) e Caio Fernando Abreu, que às vezes ficava constrangido de sugerir algumas poucas mudanças nos poemas e que levou o trabalho para o patrocínio do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul, presidido na época por Ligia Averbuck. Todos nós fizemos então a seleção dos poemas que eu guardava numa velha mala surrada dos tempos de estudante e jornalista peregrino (e que virou uma lenda graças ao texto de apresentação de Levitan, onde está a frase que dá título a este texto).
Duclós em 1975
Foto: Eneida Serrano
Sete capítulos, como se fosse um romance: o primeiro sobre a anunciação do poeta (Se eu estiver chegando), o segundo sobre a poesia (Falo de coisas que sei), o terceiro sobre a solidariedade (Confio na solidão que nos une), o quarto sobre a barra pesada da época (Dói entrar na vida), o quinto sobre o amor (Maria, acende meu domingo), o sexto sobre a infância (O canto é uma fome, como a infância) e o sétimo sobre a leveza das coisas e da vida (Ah, essa mania de escrever para a eternidade). Tínhamos assim na mão um acervo poderoso de sugestões literárias. Um poeta desconhecido que diz a que veio, uma geração que sofre e tem esperança, um trabalho focado na sua época e que tem a ousadia de ser uma mensagem também para o futuro (Ao Brasil tenho um recado).

NEI DUCLÓS
Poeta