Vinhedo das vontades, de Eduardo Dall'Alba, foi publicado em 1997 pelo IEL, integrando a Coleção 2000. Jane Tutikian assina o prefácio De cinzas em palavras soltas: o homem, o poeta e o poema; que reproduzimos aqui:
MAIS INFORMAÇÕES |
O homem é jovem. Dall'Alba é um caxiense nascido em 1963. O poema, a essência e a síntese de quem experimentou o saber/sentir de que a noite é vasta, / o tempo, um sonho (...) O amor é pouco, / a vida, breve. Pois este Vinhedo das vontades confirma o que se constrói.
Carlos Drummond de Andrade é o mestre do poeta gaúcho e atravessa sua poesia Porque não há motivo algum que mova / a pedra do caminho, nem a lira, num diálogo constante como quem já conhece o claro do enigma, entretanto, ainda não, o mistério entre a razão e o regime, entre a desgraça / e o sublime, entre a graça e o que ela imprime.
Não se pense, porém, que se lê Drummond em Dall'Alba. O que se lê é efetivamente o diálogo. É um pouco do que Dall'Alba lê em Drummond e que enriquece sua percepção do mundo. Quer dizer: um código poético próprio, marcado pela musicalidade, talvez herdada de Cruz e Souza, renovada em Vinícius de Moraes, leitor contumaz da lírica brasileira dos séculos XIX e XX que é marcado, também, pela metáfora bonita e inesperada, pelos sentidos tangenciais, reveladores de que nem as verdades são inteiras, ainda que busque a unidade, possibilidade única de compreensão do mistério.
O espaço do poema de Dall'Alba é amplo e não raro o interior se traveste de exterior e o invisível se faz visível para fugir ao tom confessional. O tempo que traz consigo a marca da fatalidade, do já traçado e do inevitável. Muito pela memória que se faz moinho e os largos passos que o menino dava / iam dar no centro do vazio, mais nada. E o vazio é recorrente na sua poesia.
O eu que percorre a poesia de Dall'Alba se faz outro, o poeta, e o poeta acolhe as gentes simples, sobretudo ao fazer da Noite uma revelação ímpar. É que o homem não se deixa confessar e o poeta não se impede de registrar no escuro do tempo, nesta floresta negra de sinais e símbolos, quando alguma coisa lhe pede para falar e este falar revela almas, desce ao inferno, cala a emoção tensa, deixa que o que se escreve seja apenas o silêncio.
À Poética, Dall'Alba reserva a auto-reflexividade, um virar-se para si poeta/poema. Aí, recompõe a concepção pessoana de fingimento (Autopsicografia), já, anteriormente, encontrada em Nietzsche, onde a mentira não é senão a possibilidade do conhecimento e do autoconhecimento. É a revelação da verdade que se fará na mentira do poema, no arco e a lira fundidos. Em Poética, se encontra com a liberdade, com o ritmo solto, com a aliteração, com a inversão, com a ironia, com a pergunta não feita, enigmática, drummondiana, e com a resposta possível: talvez!
Vinhedo das vontades, por sua vez, constitui um outro livro, ou um livro dentro do livro, um poema moderno, que reporta o leitor à emocionante e sofrida trajetória histórica e humana da imigração italiana: da crise européia à casa simples, à voz do pai, à missa de domingo, às três perguntas do lavrador de sonhos que jamais serão respondidas, se não pelo que, então se vive. Afinal E como responder a tudo, ao céu claro, ao dia mudo / desvendando o segredo dos mistérios e do medo?
Escrever bem e de modo simples é o difícil, afirma o poeta pela humildade do homem, mas fazer-se cinzas para resgatar e jogar em palavras o essencial é muito mais: é por que saudar a chegada deste Vinhedo das vontades e a obra que com ele se constrói.
Jane Tutikian