
Não existe um “si mesmo”, parece-nos dizer o autor de Vemos as coisas como somos. Isso fica bem claro no texto introdutório, espécie de conto-prólogo, “Egotrip”, na síntese do neologismo, a fixação de um vocábulo que retrata um ego coletivo, um ego mutante, um ego que se desloca, que anda – não a esmo – em busca de pontos de contato, e nunca é o mesmo nem jamais, quando experimenta uma imersão, parece ser exatamente o ego esperável.
Há turbulência, e forte, nessa espécie de movimento das placas tectônicas da mente, das emoções, das intenções, das personalidades. O homem se refunda a cada nova relação e, ainda, a cada novo emprego, a cada nova viagem, a cada nova (e inédita) reflexão. O homem se descobre outro e já não pode de fato ser o anterior. Vem à tona outro naquele que nos narrava uma história que já não podemos identificar pela voz que teceu-lhe as primeira sentenças.
A surpresa é que este outro, ao mesmo tempo que realiza ações bem diversas e constata o que o próprio sujeito protagonizou anteriormente – fatos agora esquecidos, que nem parecem servir de degrau para um novo patamar (nem mais alto nem mais baixo) -, este outro mantém uma essência difusa que emana, como na filosofia de Berkeley, para o cenário, o entorno, e as coisas já então, vistas de outro ângulo, num outro momento particularíssimo (e prestes a mudar e, com ele, no bojo trazendo nova revelação), não poderiam de fato ser as mesmas, e o conflito inicial migra para novo conflito.
Na verdade, o mais essencial dos conflitos: o de capturar o instante em que somos exatamente o que somos e, através desse olhar pessoa, o desenho de um mundo que enfim compreendemos.
Mas parece que tal encontro é impossível, dizem-nos as narrativas de Guilherme Smee. Projeto mais que ambicioso, grandioso, inédito em nossa literatura.
Por isso o autor merece nossos parabéns e não podíamos deixar de trazê-lo a público através de uma edição digna de um trabalho tão original.
Os editores
Do livro Vemos as coisas
como somos (IEL / Corag, 2012)