Gaúchos: vocês sabem o que é o IEL?
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À semelhança de todos os autores do mundo, fui jovem autor, um pobre-diabo da literatura. Tive, apenas, a sorte de ganhar, em priscas eras, um prêmio literário.
Caros amigos, um prêmio literário não salva nenhum autor. O prêmio literário é uma espécie de Nescafé: funciona na hora, dá um moca razoável, depois não deixa lembrança, nem mesmo o aroma.
Foi o que aconteceu comigo.
Quem lê poesia no Brasil?
Vim a descobrir que os editores se arrepiam quando um poeta os procura para editar um livro de poemas. Para os editores não existe livro de poemas, existem livros de problemas!
Não obstante o prêmio, meu original A surpresa de ser saiu três anos depois. Saiu e não vendeu. Vendeu um número de exemplares considerado pelo editor apenas bom, não vantajoso do ponto de vista comercial.
Meu verdadeiro problema foi dar continuidade editorial ao segundo livro.
Amigos, minha segunda coletânea, A imploração do nada (o nome já diz muito!), foi editada porque meu irmão João, num ato de suprema generosidade, resolveu financiá-lo. Meu irmão confessou-me, singelamente mais tarde, quando o pus contra o muro, perguntando-lhe como tinha conseguido dispor-se psicologicamente a arcar com as despesas da impressão:
- Imaginei o seguinte: se eu tivesse tido um acidente com meu carro, seria obrigado a gastar uma quantia equivalente à do livro. Ora, um livro de poemas vale mais do que um acidente, e muito mais que um conserto de oficina mecânica!
Ao dizeres isso, querido irmão meu, compuseste um poema (de generosidade), superior em qualidade à de muitos poemas que estavam no livro!
A partir de então, continuei a salvar-me como autor porque, no Rio Grande do Sul, certos indivíduos idealistas - entre os quais o Manuel Sarmento Barata, fino leitor e crítico de poesia e de ficção de rara sutileza - tiveram a idéia de criar um Instituto Estadual do livro, cuja missão precípua seria a de favorecer incipientes vocações literárias.
Entrei nesse barco salva-vidas!
Graças a ele, e aos seus remadores, estou chegando à outra margem, isto é, à condição de autor normal, o que significa chegar à condição de poeta não engolido pelo esquecimento do público.
Nos momentos de desalento, sempre me consolo com a lembrança de um telegrama da Clarice Lispector! Foi a coisa que, até ao presente, mais prazer literário me deu em toda a vida. Tinha-lhe enviado os originais de A surpresa de ser. Quando Clarice tomou conhecimento, pelos jornais, de que eu obtivera o prêmio, enviou-me um telegrama: Livro belíssimo. Clarice Lispector. Acho que esse telegrama foi o maná que me ajudou a sobreviver no período seguinte, o do terrível miserê.
Sobreveio, efetivamente, uma peregrinação pelo Deserto do Sinai, que não durou 40 anos porque o Instituto Estadual do Livro me socorreu, sem precisar recorrer ao já citado maná, e às codornizes que os israelitas abatiam para matar a fome. Além de mim, o IEL socorreu muita gente!
Socorreu Homero e Ovídio, Terêncio e Suetônio...ou seja Bruno Kiefer, Moysés Vellinho, Gerd Borheim, Heitor Saldanha, Augusto Meyer, Lya Luft, Mario Quintana, Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar, Luiz Antonio de Assis Brasil, Flávio Loureiro Chaves, Ivo Bender, Guilhermino César, Sérgio Caparelli, Dyonélio Machado, Álvaro Moreyra.
Imaginem: socorreu os grandes Augusto Meyer, Moysés Vellinho, e Dyonélio Machado, que nos legou uma obra-prima: Os Ratos.
Foi uma salvação generalizada! Salvação do Dilúvio da não-leitura, da entrega ritual de nossos livros às traças.
Um lembrete: o Instituto iniciou suas publicações em 1956 com o livro de Araújo Viana: Vida e Obra de J. C. Cavalheiro Lima.
Quando a inspiração descia sobre um autor, o pobrezinho pensava, antes de sonhar com os beijos da namorada ou da noiva, na possibilidade de ser editado pelo Instituto Estadual do Livro.
Dirão os curiosos:
- Mas vocês eram lidos?
Ser lido, na época, significava pouco mais do que dar alpiste à nossa ainda pequena vaidade de autores, a quem os jornais da época concediam tanto espaço quanto às atrações curvilíneas, curvilíneas, que Deus proporciona (com a colaboração obrigatória dos progenitores) às top-models daqueles tempos, ou às atuais dengosas estrelas da MPB.
Bela época: os neurônios conseguiam interessar os jornalistas na mesma proporção que os interessam, hoje, determinados milagres da anatomia de nossas cantoras pampeanas...
A verdade é que os poemas eram lidos unicamente por leitores de canibal apetite literário! Alguns livros de ficção, porém, chegavam a merecer uma atenção mais devotada.
Eram lidos, de quando em quando, por superciliosos (o adjetivo roubei-o a Mario Quintana) professores de literatura, por alguns insones , e por interessados em geral (quando os havia). Na pior das hipóteses, liam-nos os benevolentes e uivantes ventos das estações, principalmente o minuano, que os levava campo afora, e que sempre ajudou os gaúchos a serem mais inteligentes. Ou, pelo menos, mais leitores!
Graças ao IEL, a literatura gaúcha firmou-se – a literatura dos atuais cinquentões, sessentões, setentões, e até de alguns pré-octogenários, como o signatário destas mal dactiloscritas...
O atual Governador do Estado, por exemplo, o ex-Ministro da Educação, Dr. Tarso Genro (refiro tal indiscrição quase como se violasse um segredo de Estado!) foi publicado pelo IEL. Serei mais insolente dizendo que o livro era de poesia?
Outra informação: não imaginam quanta gente importante passou pela direção do IEL!
Lembremos - como se pegássemos um relâmpago pela cauda: Lígia Averbuck, Barbosa Lessa, Paulo Flávio Ledur, Assis Brasil, Tânia Carvalhal, Regina Zilberman... Numa palavra: os profetas maiores e menores da Província.
É claro que houve tempos favoráveis, e menos favoráveis para a vida do Instituto. É possível que até que ele haja naufragado, sendo salvo in extremis pela boca de uma baleia, e de outros cetáceos que o arremessaram às mais variadas praias desse Continente, isto é, às regiões mais inóspitas dos secretariados estaduais.
De qualquer maneira, o IEL salvou-se!
Salvou-se, e neste ano está completando 57 anos de existência.
Após experiência tão memorável de sobrevivência, não há dúvida de que se perpetuará, no mínimo durante outros 57 anos, tendo a seu favor as bênçãos da Internet, e a paixão cultural e administrativa de Ricardo Silvestrin, professor, e poeta cujo valor extraordinário só descobri nos últimos anos.
O Instituto há de reflorescer! Sua equipe é otimista. De um otimismo à Isaac Bashevis Singer: eles (e elas) “sempre esperam o pior! “
Digam-no a Elisa Henkin, a Susana Dantas Guindani, o Rogério Dornelles, a Denise Paz, e outros - todos vós, ó sombras - vivas ou não - belas e cativantes: Vera Regina Morganti, Cláudio Furtado, Helena Tornquist, Fernando B. Schmitt, Adriana Condessa Ferreira, Luciana Haesbaert Balbueno, Suzana Kanter, Léa Masina, João Carlos Tiburski, e outros, que eu gostaria de lembrar!
Remato este texto blogueiro com uma declaração solene de agradecimento ao IEL!
Se alguém, um dia, se lembrar de mim como poeta e ensaísta, saibam todos que o devo, em grande parte, a ti, humilde entre os humildes Institutos de Israel... isto é, entre os institutos oficiais do Estado do Rio Grande do Sul, ó IEL, Belém de nossos sonhos de jovens escritores!