16.7.14

O amante e o silêncio
Sandra Djambolakdjian Torossian


Texto de Sandra Djambolakdjian Torossian, psicanalista e professora do Instituto de Psicologia da UFRGS, sobre o romance O amante alemão (IEL/Corag, 2013), de Lélia Almeida. A obra, vencedora do Prêmio Açorianos de Literatura 2013, terá sua segunda edição lançada em breve pelo Instituto Estadual do Livro em parceria com a ediPUCRS.



Impor silêncios tem se tornado um hábito nos últimos anos. Rolezinhos que denunciam os silenciamentos da possibilidade de circular pela cidade, repressões que apontam para a coibição do ato de se manifestar. Depressões e outras modalidades de sofrimento singular mostram os efeitos das vidas caladas. Cala-se o sujeito.

Silenciar, calar e amar são alguns dos pontos tecidos por Lélia Almeida na obra “O amante alemão”. O que aparentemente é uma história que retrata o romance de um homem estrangeiro com sua amante brasileira, transforma-se, ao longo das páginas, em denúncias do efeito do silêncio imposto na vida das pessoas que habitam a cidade. E dos efeitos trágicos causados pelas políticas que impõem a necessidade de silenciar.

Com humor e com tristeza vamos acompanhando uma história que seria banal se não fosse o enredo de sua trama, a qual vai inteligentemente nos conduzindo pela sórdida política da cidade. Precisam ser silenciadas todas as relações. Não somente aquela entre o empresário casado no seu país que vem buscar na cama e no corpo de sua amante brasileira aquilo que não encontra na sua bem organizada vida conjugal, mas, sobretudo, as relações que impõem à população, condições de trabalho que lesam gravemente sua condição subjetiva.

Não se pode falar. Quem fala morre. É o que diz a imaginação popular. Isso é uma verdade: morre uma das personagens que tenta fazer as pessoas falarem através de um dossiê de imagens. No entanto, vamos descobrindo, ao longo do texto, que silenciar é morrer.

O silêncio calado, e não aquele que fala, faz o sujeito se ausentar. E onde não há sujeito há morte. Morrem os sujeitos pela imposição do silenciar. Impossível não se referir aos momentos históricos de tantos silêncios impostos que transformaram a vida dos cidadãos em mortes subjetivas. Aprender a calar é aprender a morrer subjetivamente. Quem cala consente, diz o ditado popular.

Impor mutismos, não permitindo circular por diversas regiões das cidades, impor a obrigação de agir de determinada maneira e não de outra, proibir condutas que não lesam a vida comunitária, é ensinar a calar. E, aprendendo a calar, aprende-se a adoecer.

Felizmente, no seu romance, Lélia encontra um modo de fazer falar. Falam as mulheres. Não pactuam com a imposição de silenciar. Essa é uma aposta que se estende a todos os cidadãos.


Texto publicado originalmente em: http://www.sul21.com.br/jornal/o-amante-e-o-silencio/