11.6.13

O rei dos animais
José Eduardo Degrazia



Chegou em casa e disse à mulher que não estava com vontade de conversar. Não o molestassem sob hipótese alguma. A mulher de nada suspeitou, pois ele era um rapaz atencioso que gostava de uma boa prosa antes de ver o jornal da televisão, jantar, dar uma caminhada pelo bairro, para, só então, dormir. Dormiu toda a noite e, no dia seguinte, não despertou no horário costumeiro. A mulher o sacudiu. Respondeu com resmungos que poderiam ser palavrões. A mulher falou que era tarde, que se levantasse, ela iria fazer café. Deixasse de ser mal-educado. Ela fazia tudo pelo seu bem. Levantou de cara amarrada. Não fez a barba. Não tomou a ducha fria. Não fez exercícios no banheiro. Tomou o café amargo de um gole. Não a beijou quando saiu. 



Voltou para casa bêbado. Bateu na mulher, xingou os vizinhos e não tocou na comida. Ela começou a se preocupar. Não era só a mudança de hábitos, mas a palidez, o ar de fera acuada que assustava. Cada vez mais casmurro e introvertido, deixou de ir ao trabalho. Não procurava mais a mulher à noite. Um dia, ela lhe disse que ia embora. Não aguentava mais os maus tratos. Respondeu com um grunhido. Ela foi para casa dos pais e ele não se moveu do lugar onde estava. 

Os colegas da repartição vieram aconselhá-lo. Ele, que era o presidente do time de futebol, o mais ardoroso defensor da classe, não poderia agir assim. Nada disse. Limitou-se a apontar a porta, por onde eles saíram cabisbaixos. 

Muito tempo depois, os vizinhos observaram que ele rondava o pátio das casas à noite, como se procurasse alguma coisa. Os pais passaram a dizer a seus filhos que tivessem cuidado. Tornou-se um ser de hábitos noturnos. Rondar as residências do bairro passou a ser o seu prazer predileto. 

Começaram a desaparecer galinhas e cachorros. Os vizinhos resolveram tomar uma providência. Entrar na casa foi fácil, havia muito não estava trancada. Vasculharam os quartos em desordem, onde parecia não haver vida humana. Subiram as escadas que levam ao sótão. Ele estava deitado no chão rodeado por animais. O primeiro que entrou na sala foi mordido pelo cão mais próximo. Os outros animais rosnaram e mostraram os dentes. Viram que nada mais havia para ser feito. A porta da rua deixaram aberta — para o entrar e sair da matilha.



Do livro Os leões selvagens de Tanganica (Movimento, 2002). Texto selecionado no concurso Prosa na Estrada, que distribuirá contos de autores gaúchos em ônibus intermunicipais.