14.5.13

Discurso do Secretário Assis Brasil por ocasião da entrega do Prêmio Moacyr Scliar a Altair Martins



É muito fácil escrever este breve discurso. Fácil por ser breve, mas fácil em especial porque conheço Altair Martins e conheço Moacyr Scliar, ambos de tratamento na segunda pessoa do singular. Conheço-lhes a vida, conheço-lhes a obra.

Minha cara Judith: como sabes, muito já escrevi sobre Moacyr, em jornal e em livro; num destes textos, publicado logo após seu falecimento, falei sobre sua dimensão humana, porque sua personalidade literária é de todos conhecida. Disse eu então: a presença de Moacyr Scliar na vida coletiva assinalava-se por uma profunda solidariedade. O sentido dessa solidariedade ele o exercia com uma singela disposição para ouvir o outro, pensar sobre o que ouvia e responder no mesmo plano pessoal, intelectual e afetivo. Quer-se dizer: era um interlocutor atento e sem pressa. Pode parecer algo esperável, em se tratando de um escritor. Mas não o é. Numa época de individualismo, em que o pronome “eu” esparrama-se em todos os textos, em geral começando todos os períodos gramaticais  vide a reportagem de capa da revista Time da semana passada  , Scliar compartilhava: atento ao que ocorria à sua volta, queria pormenores. Falava de si apenas quando lhe perguntavam. E perguntavam-lhe muito, sobre a obra, sobre a vida, sobre a Academia. E ele respondia com paciência e devoção. Se o assunto levava a algum comentário desabonador acerca de alguém, mudava de assunto com um fair play invejável. Assim ele era. Além do grande artista da palavra, assim ele era.

Quanto a Altair Martins, bem, é este jovem que estamos vendo, com seu olhar, hoje, talvez tímido, talvez assustado, por estar nestas circunstâncias palacianas, nesta sala imponente, coroada pela legenda do Negrinho do Pastoreio; sim, porque Altair é um jovem despojado, um jovem que ganha a vida como escritor e professor de outros jovens. É alguém como nós, que vive um dia a dia no “batente”, como se dizia. Pois nesse batente quotidiano ele encontrou tempo para sua vocação primordial. Escreve pouco, mas bem e com qualidade superior, qualidade esta que o fez vencedor de vários prêmios. Suas temáticas transitam pelas vicissitudes do ser humano comum, que vive as perplexidades de nossa época de egoísmos, mas uma época em que, em sentido oposto, surge recuperado o conceito de compaixão, como avaliava Karen Armstrong, em conferência na semana passada. As personagens de Altair Martins vivem em constante estranhamento perante o real, e ensejam, nos leitores, uma adesão às suas angústias. É uma obra que faz sentido, tanto artístico como social. Lembra-nos Walter Benjamin no livro de ensaios Rua de mão única, uma soma de notas concretas que lhe acontecem ao percorrer uma rua fictícia; a diferença é que as personagens fictícias de Altair percorrem ruas concretas, fazendo acontecer instantes do nonsense diário, como este pequeno fragmento de seu romance A parede no escuro

O tenente voltando a olhar o carro. Abaixando para examinar marcas no para-choque. Depois tira os óculos, observa os documentos e me entrega. Que eu podia seguir. As gaiolas ficando para averiguação. Palavra bonita, digo. O tenente se aproxima: O senhor pode seguir, e é melhor arrumar o carro. Não me interessa onde o senhor bateu, eu conheço marca de atropelamento, e esse carro não atropelou ninguém. Mas não pode transportar animal silvestre assim. Não entendi. O tenente se aproxima mais, me olhando nos olhos e falando firme: Olha, também trabalho, recebo e pago as minhas contas. A operação é uma malha séria para ver documentos. O senhor vende pássaros. Digo que não vendo. Mas as gaiolas ficam, ele me diz. O senhor pode seguir, porque os documentos estão em dia.

Assim é a narrativa de Altair Martins: aquela que instiga a pensar que, sob a mágica da normal aparência, há um caudal inquietante de elementos perturbadores, e são estes últimos que fazem surgir sua literatura. Que, aliás, fazem surgir a autêntica literatura.

Ele agora vem a obter o maior prêmio do Estado e um dos três maiores no Brasil, por sua obra de contos, Enquanto água. Originalmente publicado em 2011 pela Editora Record, este livro tem, agora, uma edição de 5 mil exemplares impressos pela nossa Corag, a serem distribuídos gratuitamente na rede estadual de bibliotecas públicas e nos pontos de cultura do RS.

Meu caro Altair: sabemos que um prêmio literário não transforma ninguém em bom escritor. Mas quando o escritor é bom, ele significa o reconhecimento de uma comunidade inteira, e isso sim, serve de grande estímulo, fazendo com que o premiado veja-se como autor profissional. Mas isso, no teu caso, não é preciso, pois a essa última conclusão já chegaste. Recebe, então, esse prêmio como preito de consideração por tudo o que tens feito. És um homem que é útil a tua geração, e ainda muito esperamos de ti.

Agora é o momento de agradecer, ainda que de maneira sumária, a pessoas e instituições.

Em primeiro lugar, ao Governador Tarso Genro, o qual, no dia em que nos despedíamos de Moacyr Scliar, anunciou que o Estado instituiria um certame literário com o nome do grande autor e, desde então, deu inteiro suporte para sua continuidade.

Depois, à Petrobras que, na pessoa de Miguel Rosseto que, de maneira espontânea e desinteressada, solicitou-nos que encaminhasse pedido de patrocínio à instituição que honra nosso país. Pedimos, e fomos contemplados.

Ainda, e com grande relevo, agradeço ao Banrisul que, na pessoa de Tulio Zamin, um homem de cultura, e ainda, Guilherme Cassel, ele mesmo um escritor, assegurou-nos a realização do I e do II prêmios.

Cito, também, nossa Corag, na pessoa de sua Presidente, Vera Oliveira, nossa parceira fiel em todos os momentos e em várias ações, que viabilizou a impressão da edição extra do livro premiado.

Quero ainda referir e agradecer à operosa e ilustre comissão julgadora, formada pelos representativos nomes de Carlos Nejar, Charles Kiefer, Edson Cruz, Ivana Arruda Leite e Marcelino Freire.

Por último, mas com igual vigor, agradeço à equipe da Sedac, equipe à qual pertenço com muita alegria. Todos foram importantes   todos, mas em especial o Instituto Estadual do Livro  dirigido por Laís Chaffe, apoiada por Jonas Ferrigolo Melo  que se desempenhou de maneira magnífica para que chegássemos a este dia.

Assim é, Senhor Governador: aquela sua promessa daquele dia está sendo cumprida, como são cumpridas, uma a uma, as metas que Vossa Excelência propôs à comunidade gaúcha em seu plano de governo.

Não digo que hoje é um dia todo feliz, porque a evocação do nome do Moacyr nos entristece, arrebatado que foi na plenitude de seu talento; mas nos deixa confortados porque o prêmio que ora concedemos é o aval de uma obra que jamais perecerá nas mentes e corações dos rio-grandenses.

Obrigado.