18.9.12

Cada um carrega o seu deserto (A eterna anedota)
Alvaro Moreyra

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Em algum lugar do mundo.

A hora é antiga. O dia se desfez na tarde. A tarde se desfaz na noite. Sim. Do lado de cá a noite chega. Do lado de lá, também. O rio passa no meio.

Sobre o rio alonga-se uma ponte. Uma mulher está do lado de lá. Um homem está do lado de cá. Parece que ela não sente nada. Parece que ele não pensa nada. Nenhum ar de esperança. Nenhuma ideia de desejo. Nela e nele, a mesma serenidade, o mesmo alheamento.

De repente, ela vem para cá. De repente, ele vai para lá.

Como uma mulher vem por uma ponte. Como um homem vai por uma ponte. Sem destino. Porque a noite que chega, é uma noite bonita.

Encontram-se. Espantam-se. Para, - a sombra que envolve a mulher, envolve o homem. Uma fascinação igual os aproxima. Mais perto. Mais perto. Os olhos da mulher, que lindos! Que encantados, os olhos do homem! Últimos passos, que já nem são passos. Estendem as mãos. Puxam-se. Caem nos braços um do outro. Olhos nos olhos. Boca na boca. Tontura. Embriaguez.

A noite chegou. O rio anda agora com cuidado, para não apagar as estrelas que se acendem na ponta da água.

A mulher enfim pode dizer:

- Como sou feliz!

O homem repete, em êxtase:

- Como eu sou feliz!

(Dois desgraçados...)




Do livro Cada um carrega o seu deserto (IEL / EdiPUCRS, 1994)