13.10.11

Jane Tutikian - a paixão pela palavra

Trechos da entrevista com a escritora e patrona da 57ª Feira do Livro de Porto Alegre para o volume Jane Tutikian (1998), da série Autores Gaúchos, do IEL.

Entendo a literatura como paixão, paixão no seu sentido mais amplo, de amor e de ódio.



Léa Masina - Poderias definir o teu processo de criação literária?

Jane Tutikian  - Acho que é um processo de armazenamento de sentimentos, experiências e vivências que, vez que outra, transbordam em textos e pessoas de ficção. Às vezes de um fôlego só. Às vezes penosa e lentamente.

LM - No teu entender, a literatura pode ser uma forma de ludibriar a morte, de tornar a realidade mais digerível para a pessoa humana?

JT - Entendo a literatura como paixão, paixão no seu sentido mais amplo, de amor e de ódio. Daí porque escrever é uma forma de resgatar um tempo que foi, apreender um tempo que vai e, quem sabe, até preparar um tempo que vem. Nisso, não creio que sua função seja a de tornar a realidade mais digerível, apenas uma forma para melhor compreendê-la, talvez. A literatura não está aí para dar respostas a ninguém, ela é, antes, uma grande questão em direção ao humano, isso sim.

LM - Em que medida a biografia influi na produção literária, sugerindo ou ditando preferências temáticas ou de gênero?

JT - Influi totalmente na medida em que o escritor, como qualquer outro homem, é o resultado da sua própria historicidade e que essa historicidade não é outra coisa senão o elemento de construção da sua percepção de mundo. Duvido do escritor que diga não ter nada a ver com sua personagem ou com sua narrativa. Ainda que não biográfica, ela traz as dúvidas e as verdades mais essenciais do seu autor, ela coloca sim, independentemente do gênero, as vísceras existenciais à mostra.

LM - Como e quando percebeste que tinhas jeito para escrever literatura infanto-juvenil?

JT - Foi meio por acaso. Tinha dentro de mim uma menina, seus amigos, seu mundo, enfim, e sentei para escrever sem pensar que o resultado seria infanto-juvenil. Não fiz qualquer concessão de linguagem ou de construção de personagem. Nasceu assim. Sartre explica bem isso dizendo que o que determina o gênero é o tema. Assim, não escolhi. Fui escolhida pelo tema.


LM - Como se processa em ti a transformação da voz narrativa quando se trata de literatura para adultos ou de literatura para jovens e crianças?

JT - Meu leitor virtual, aquele que sou eu sem sê-lo, é muito atento, sobretudo para a sonoridade da palavra. Às vezes entramos em conflito, e é a hora de parar de escrever, mas terminamos fazendo as pazes porque preciso dele para escrever, que é uma forma de viver, e ele precisa de mim para que se faça a vida na literatura.

LM - Consideras que existem entrelinhas no teu trabalho, embora poucas pessoas consigam chegar até elas?

JT - Todo o texto literário, pela sua própria natureza e instrumentação, é feito de entrelinhas cuja interpretação prende-se não somente à qualidade intrínseca do texto, mas à extrínseca, ou seja, à historicidade do leitor, e isso é o que realmente fascina na literatura. As possibilidades do texto literário são imensas.