7.4.11

Paulo Hecker Filho sobre Pedro Stiehl

Capa de Liana Timm

Um dos títulos da Coleção 2000, criada pelo IEL em 1997, Breviário profano teve prefácio do poeta Paulo Hecker Filho, que pode ser lido aqui, na íntegra. 

A inteligência começa no título: Breviário profano. Pedro Stiehl nos oferece maneiras de ir levando com consciência e classe, que não faltam a esse lúcido.










        Creio que há tudo
        até mesmo o não-haver
        se isso parece absurdo
        absurdo maior é crer.

        Quer dizer, pode haver tudo o que dizem como não haver; não sou tão tolo que vá crer.

        Ou esta:
        Agora, que estou
        no desconhecido ponto
        do qual parti
        me pergunto se viver
        não é sempre a loucura
        de voltar aqui.

        Quer dizer, parte-se no escuro porque escuro e vai se acabar ainda no escuro.

        Ou este Auto-retrato:

        Eu era assim
        bem ligeiro, olhos fugidios
        magrinho, a pele branca
        um menino pasmo
        de a vida ser tanta.

        Depois fui perdendo um pedaço
        em cada fotografia
        que de mim bateu
        a luz do dia.

        Quer dizer, vai se ficando cético, o que é de certa forma empobrecer.

        Ainda bem que

        na TV um sax surpreende num filme B
        e salva o filme a noite a vida inteira...

        Esse sax, já viram, traz a poesia, que Stiehl vive com palavras precisas, fogos na dose, conceitos, em suma, com inteligência. Uma higiene mental, nos dá um banho com seu livro. Mesmo o momento mais comovente, Retrato de família, traduz numa galeria de definições, até na perplexidade final tão lírica.

        Isso não se improvisa. Só vem com uma operosa maturação emocional e intelectual. Ele já era o poeta de hoje quando me enviou uma pilha de versos em 93 para opinar. Fiquei cativado. Fiz triagens, mas valorizando vários trechos realizados e que aqui ressurgem. Já no ano seguinte, me surpreende com um admirável livro de contos, Um dia a lua cai, e logo apresento a edição com esta síntese:

            Depois de ter reconhecido o poeta em Pedro Stiehl, o que é sempre uma espécie de recomeço do mundo, tive de me abrir para o contista. Títulos como Um dia a lua cai, Por um cristal partido, Esses homens mostram mais que uma vocação de narrador: alguém que revela a vida por vê-la com profunda e solidária liberdade.

Logo escrevo artigo sobre o volume cujo teor se pode avaliar pelo título: A lua cai em Montenegro, nada menos. Pois ele é de Montenegro, aqui pertinho, quem diria? E casado, 42 anos*, nas horas vagas dando expediente, com ponto, na CEF.

Luiz Antonio de Assis Brasil, que ensina o conto há mais de quinze anos, também se empolga: o leitor se envolve na trama até a raiz dos cabelos e um fato é certo: ninguém ficará indiferente a esses contos da mais alta, simples e pura literatura. (RS, 24 de maio de 1995).

Stiehl dirige ainda páginas literárias em jornais locais, publicando regularmente críticas, crônicas, cenas, piadas, breviários. Em 1998, edita Antimelancolia crônica, reunindo algumas dessas matérias e o nível cultural é uma exceção no Estado, especialmente no Interior.

Ao lado disso, compõe um longo romance, ainda inédito, com um propósito à Erico Verissimo de contar, entre novelas pessoais, a história do município. Como em O tempo e o vento, a ficção acaba restringida pela intenção histórica, mas já, nesta primeira versão, se respeitam a imaginação e o fôlego e é possível que, na definitiva, se respeite muito mais.

Não contente, está com um novo volume de contos a sair e acaba de publicar Vida fora da gangue, um romance infanto-juvenil pleno de fantasia e observações justas, embora eu embirre com o gênero que tende, como no caso, a simplificar os caracteres para se manter leve, à altura do público alvo.

Isso o que apareceu, deve haver mais nas gavetas. Stiehl tem dois metros de estatura e fibra, ainda bem que cultivada e inteligente como começamos a mostrar. Erguida a cortina deste prefácio, usufrua o leitor alguns de seus melhores momentos na performance do poeta.

PAULO HECKER FILHO

* Pedro Stiehl nasceu em 1958, tinha 42 anos em 2000, quando foi publicado Breviário profano.