21.2.11

Néstor Monastério sobre Dilmar Messias

 M@gazine Imagem & Texto


     
No prefácio à edição de O último tango em Porto Alegre (IEL), peça de Dilmar Messias, Néstor Monastério fala sobre o texto e o espetáculo, repartindo sensações com o leitor.  

A peça de Dilmar Messias conta a história de Mário Alonso Vilar, cantor de tangos, exilado do seu país por "galantear" durante um show a amante de um general.




Isso é motivo para o exílio? Na década de setenta era. Mário se refugia em Porto Alegre na casa de Leocádia Tavares, atriz que conhecera há alguns anos em Buenos Aires, durante uma turnê de sua companhia de teatro. Apesar dos tempos perigosos, Leocádia acolhe-o, esconde-o e, para poder sobreviver, tenta integrá-lo a sua atividade teatral. Hamlet, O Corcunda de Notre Dame, Groucho Marx vão passando pelas mãos de Mário que, qual Átila, destroi o que toca. Como um vórtice rio-platense ele leva tudo para o seu mundo tangueiro. Cuesta Abajo, El dia que me quieras, Yira-yira, La última copa, velhos tangos juntam-se a Hamlet emprestando-lhe a forma de maneira absurda. Hamlet e Discépolo. Dilmar e Gardel.
    O universo músico-clownesco em que vivem Mário e Leocádia, a estrutura em fragmentos, o clima de vaudeville, os números musicais... O último tango... é na verdade uma desculpa para Dilmar comentar debochadamente uma época negra das nossas republiquetas latino-americanas, na qual o absurdo e a tragédia andavam juntos. Artistas, censores, cidadãos e militares faziam parte (faziam?) de uma ideia imbecil de sociedade baseada no pensamento de uma classe que tem como dogmas principais acordar cedo, fazer a barba e reprimir quem for contra.
    Por muito tempo arrastei o exílio como um peso amarrado às minhas pernas. Era algo de que eu não gostava de falar, uma época ruim sempre querendo voltar, sempre querendo o que tinha perdido e não enxergando o que tinha ganho. O que tem a ver minha história particular com esta peça? Acho que no O Último Tango... aprendi a me divertir com as lembranças de um tempo ruim.
    Na origem deste texto existia um desejo compartilhado por Lolô, Dilmar e eu de trabalharmos juntos. Com a Lolô por ser uma atriz exuberante, talentosa e a mulher que amo. Com Dilmar por ser o maior autor/diretor deste lado do mundo, um artista com o qual me identifico muito, meu grande amigo. Dilmar é mais do que um dramaturgo, é um criador em qualquer campo, especialmente das artes cênicas. Ele tanto consegue rabiscar uma lei de incentivo à cultura como reerguer um sindicato de artistas ou montar um circo.
   Tango, por que tango, Dilmar? Apesar de ser argentino, nunca tive relação com o tango. Cresci ouvindo rock-and-roll. Achei que não sabia a letra de um tango sequer. Mas cultura não é uma decisão pessoal, é o inconsciente coletivo que comanda nossa memória, nosso “saber”. Lá dentro estavam armazenados dezenas de letras e melodias que não só fazem parte de meu lado argentino senão também do meu lado porto-alegrense. Me lembro que começamos a cantar alguns tangos de maneira exageradamente dramática, quase brincando, pensando que ninguém poderia levar a sério o que cantávamos. Quando apareceram as primeiras lágrimas entre os que assistiam aos ensaios, percebemos que alguma coisa a mais existia e que o único que tinha percebido essa “coisa” era o Dilmar. A consciência do gesto.
   Isso é o que eu sei sobre o texto e sobre o espetáculo. O resto são as sensações de um ator no palco e, no meu caso, dentro de uma história que, se bem não é exatamente a minha, tem mais do que alguns pontos em comum: fala de exílio, da relação do artista com o momento político, do velho namoro entre Buenos Aires e Porto Alegre, das descobertas de um portenho. O fim trágico é inevitável, não tanto pelos protagonistas como pela sina do tango que não admite um final feliz.
     
Que ganas de llorar,
       en esta tarde gris...


NÉSTOR MONASTÉRIO
2000